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Roberto Carlos em Detalhes - Sim, eu li a biografia proibida do "Rei"

O livro proibido!
Intitulado como ‘Rei’ da música brasileira pelas gravadoras em um tempo que praticamente não havia escolhas, Roberto Carlos tornou-se figura intocável e mitológica. O livro que o traz novamente ao estado de mortal foi o estopim da discussão sobre a liberdade de informação.

Tenho que admitir que minha atração em ler o livro "Roberto Carlos em Detalhes", do jornalista Paulo Cesar de Araújo, não foi, nem de longe, pelo fato de ser fã do chamado “Rei”. Em minha opinião, muito pessoal, tirando uma ou outra música, acho Roberto Carlos chato. No entanto isto não significa que ele não tenha tido importância para a música brasileira e também não significa que tenho bom gosto musical. Meu interesse em ler a biografia também não foi para saber sobre a Jovem Guarda, que por ter acontecido antes de meu nascimento, na década de 70/80, não faz sentido para minha formação musical, apesar das influências que esta acarretou nos músicos de minha geração.

Meu interesse pelo livro foi simplesmente pelo fato deste ter sido proibido no Brasil (recolhido em 2007) um ano após seu lançamento (2006). Fiquei imaginando porque o “Rei” proibiria sua biografia sendo que o autor, segundo entrevistas, embasou toda sua pesquisa em 15 anos de entrevistas e artigos que saíram em publicações de circulação nacional, ou seja, nada parece ter sido inventado.

Paulo Cesar de Araújo e Chico Buarque juntos durante entrevista
Paulo Cesar de Araújo e Chico Buarque juntos durante entrevista Imagem publicada na Folha de São Paulo

Comecei então a formular algumas teorias dos 'porquês' da proibição. Teria sido por causa da revelação de seu apelido de infância (Zunga)? Teria sido pela história traumática da perda de parte de sua perna (imaginava que havia perdido a perna inteira)? O passado de Roberto Carlos, em minha imaginação, teria sido um mar de patifarias e pilantragens com a finalidade de alavancar a carreira e o livro traria tudo isto a tona, escancarado.

Decidi então ler o tal livro imaginando que o abandonaria talvez na vigésima página ou antes, já que para mim Tim Maia, Ney Matogrosso, Mutantes e Raul Seixas, dentre outros, tem muito mais relevância quando o assunto é Música Popular Brasileira.

Não comprei o livro pois, como foi dito no início, sua comercialização está proibida no Brasil, mas consegui uma cópia que me deu um certo orgulho: “ah, tenho em mãos um livro proibido!”

É... concordo que foi uma reação bem besta!

Cativado desde o início

Porém, surpreendentemente, já nas primeiras páginas o livro despertou meu interesse, não necessariamente pela história de Roberto Carlos, mas pelo modo como Paulo César Araújo monta a estrutura de narração: um misto de pequenas curiosidades de época, fatos sobre a cidade natal de Roberto (Cachoeiro do Itapemirim, do Rio de Janeiro Espírito Santo), de bastidores de shows, da TV e dos amigos, além das pessoas que viveram a época em sua plenitude.

Alem da forma como o livro é escrito, outra coisa que chamou minha atenção foram as historinhas paralelas. O livro traz pequenas pérolas sobre artistas contemporâneos que me interessaram muito, mais do que a prória história do “Rei”.

O autor declara seu amor por RC logo no inicio do livro ao narrar sua aventura para assistir ao seu “quase primeiro show” em sua cidade natal.

“Eu procurava desesperadamente algum conhecido que pudesse me dar uma entrada. Corria de uma ponta a outra da fila. A pessoa mais conhecida que encontrei foi o gerente de um supermercado que havia perto da rua em que eu morava. Ele estava lá na fila com toda a família. [...] Depois de alguns minutos de hesitação, tomei coragem e me aproximei dele. Perguntei se ele podia pagar a minha entrada. Ele me reconheceu, estranhou que eu estivesse ali sozinho, mas disse que nada podia fazer porque os ingressos estavam contados. [...]

Fui para a porta de entrada principal do estádio e apelei ao porteiro para que me deixasse entrar. "Só com ingresso, e, por favor, saia da frente para não atrapalhar o público." [...]

Muitos dos que estavam ali no portão foram embora. Ficamos eu e alguns meninos de rua, sem camisa [...] que costumavam estar sempre na porta do estádio, fosse em jogos de futebol, shows de música ou eventos religiosos. Mas, antes de dar a última tranca no portão, um senhor de terno azul, provavelmente da equipe de Roberto Carlos, nos chamou: "Ei, vocês, entrem aqui, rápido". Corremos todos para o portão. Que sorte, pensei, no último instante a chance de ver o show de Roberto Carlos. Mas, no momento em que me abaixei para atravessar o portão, aquele mesmo senhor de terno azul fechou a minha passagem com o braço, dizendo: "Você não, você pode pagar" e fechou o portão rapidamente. [...]

Fiquei ali alguns minutos paralisado na porta do estádio e só então me dei conta de que a noite estava muito fria. Do lado de fora, ouço os primeiros sons de bateria e guitarras.” p. 18

Imagem de Paulo Cesar em entrevista ao Roda Viva
Imagem de Paulo Cesar em entrevista ao Roda Viva

Acabei virando um “especialista” em Roberto Carlos sem querer, mesmo não sendo seu fã ou tão pouco gostando dele como pessoa ou como artista. Não foram poucas as vezes em que acordei minha esposa para relatar trechos curiosos e até engraçados do livro e talvez ela demore a perdoar-me por atrapalhar seu sono por tantas noites!

A história de Roberto Carlos, de certa forma, é a história de uma pessoa comum, sem talentos extraordinários, sem passagens deveras espetaculares de aventuras tirando uma ou outra situação comum a um astro. A perda trágica da perna parece ter sido o maior marco em sua infância e juventude, porém o autor do livro deixa bem claro que Roberto Carlos era uma pessoa extremamente otimista e bem humorada e que seu empenho em tornar-se um cantor não diminuiu em nada após o acidente.

Roberto Carlos não passava de um cantor afinado, mas comum, que sem um estilo próprio no começo de sua carreira (o que é bem comum a maioria dos artistas) adotava títulos como “O Elvis Presley brasileiro” ou mesmo uma imitação de João Gilberto. Isto fica bem claro nas andanças dele junto com o empresário e amigo Carlos Imperial na busca por gravadoras para lançar seu primeiro disco. Foi categoricamente rejeitado por inúmeras, pois não tinha nada além do que outros já tinham. A única gravadora que o aceitou foi por mera rivalidade com a que detinha os direitos de João Gilberto. O primeiro disco não fez sucesso e os infortúnios seguiram-se.

Até em circo Roberto Carlos teve que trabalhar em início de carreira. Lona rasgada e goteira no meio da apresentação. Um episódio curioso foi um dia em que Roberto recebeu um presente inesperado de um ‘fã’:

“Enquanto isso, Roberto Carlos seguia se apresentando onde podia - e os lugares mais frequentes eram no palco dos circos, que na época ainda vagavam pelos subúrbios e cidades do interior do Brasil. [...]

Uma das atrações de maior sucesso do circo no início dos anos 60 era o humorista mineiro João Ferreira de Melo, o Barnabé. [...] Mas nem sempre era possível contar com Barnabé, e então o dono do circo apelava para outras atrações, como um jovem cantor chamado Roberto Carlos. O pior é que muitas vezes ele ia cantar em circos de lona rasgada, em dia de chuva e com quase ninguém na plateia. [...]

Em alguns circos, Roberto Carlos se apresentava de megafone na mão porque não havia nem amplificador. Ou, quando havia, às vezes não funcionava direito. Foi o que aconteceu durante uma apresentação em um circo em Niterói. Roberto Carlos se esforçava para cantar Malena, mas a plateia não conseguia ouvi-lo. Lá pelas tantas, alguém muito impaciente atirou um pedaço de mamão que acertou em cheio o rosto do cantor.” p. 110

São vários os trechos do livro em que poderíamos pensar que Roberto Carlos se incomodaria. Um deles foi sobre como conseguiu entrar pela primeira vez na TV. Segundo o livro, Roberto, de certa forma, “passou a perna” em Tim Maia e na banda The Sputniks, o qual fazia parte no começo de carreira.

“Ao final do programa, os Sputniks foram fazer um lanche num bar próximo da TV Tupi, menos Roberto Carlos, que ficou no corredor esperando Carlos Imperial deixar o estúdio. Quando ele saiu, Roberto pegou firme no seu braço e disse: "Carlos Imperial, eu também sou de Cachoeiro de Itapemirim e imito Elvis Presley". [...] E ali, naquele momento, pela primeira vez Carlos Imperial prestou atenção em Roberto Carlos. [..] "Ok, você está escalado para cantar um número de Elvis no próximo programa." Roberto Carlos saiu eufórico e Imperial ficou ali mais um pouco acertando detalhes com a produção do programa. Mais tarde, um dos assistentes de Imperial foi lhe comunicar que dois integrantes dos Sputniks quase saíram no pau na porta da TV Tupi. Era Tim Maia, furioso ao saber que Roberto Carlos fora escalado para se apresentar sozinho no próximo programa. "Eu boto você no meu conjunto e você vai cantar sozinho, porra!", berrava Tim Maia para quem quisesse ouvir.” p. 58

Em minha opinião se existe alguém que deveria sentir-se incomodado não é Roberto Carlos, mas sim o ex diretor artístico e um dos donos da TV Record, Paulinho Machado de Carvalho. O livro traz uma lista com inúmeras situações que ele e sua TV armaram em nome da audiência, isto em 1960 quando o número de televisores no país era mínimo. Fico imaginando o que se faz hoje em dia!

“De fato, e há um outro episódio que ilustra bem como a direção da emissora não via limites quando o assunto era a briga pela audiência. Em julho de 1968, a TV Excelsior estreou no horário das seis horas a novela A pequena órfã, um dramalhão sobre uma criança desprezada pelos pais. Escrita por Teixeira Filho, a novela despontou com grande sucesso, incomodando bastante a TV Record. [...]

Foi então que Paulinho de Carvalho decidiu jogar duro para não perder feio. A protagonista da novela era a menina Patrícia Aires, em seu primeiro trabalho na televisão e já conquistando grande simpatia do público. Paulinho Machado de Carvalho se reuniu então com os irmãos e disse que a solução seria justamente tirar aquela jovem atriz da novela, pois isto quebraria a história e a TV Excelsior perderia a audiência. Mas como fazer isto? O próprio ex-dono da Record relata: "Aí eu falei: só tem uma maneira, vamos sumir com essa menina, raptá-la. Chamamos o pai dela, o ator Percy Aires, que era meio malandro também, e lhe oferecemos algum dinheiro. Ele aceitou e nós sumimos com a menina". A produção da novela entrou em polvorosa porque a atriz desapareceu das gravações sem dar qualquer explicação. Nem ela nem seus pais foram localizados pela TV Excelsior. "Mandamos a menina e os pais para Buenos Aires", entrega-se Paulinho Machado de Carvalho. ”p. 177/178

“Para a TV Record, era importante que ocorressem vaias, pois festival sem vaia era festival frio, sem polémica, sem debate - e com menos audiência. [...] Para garantir isso entravam em cena os chamados bois de piranha, cantores escalados especificamente para serem vaiados pelo público. "A gente colocava alguns artistas como bois de piranha para serem vaiados mesmo. E eles eram bois de piranha sem saber", confessa Paulinho Machado de Carvalho. Foi o caso, por exemplo, de Hebe Camargo, escalada para o festival de 1967 porque a produção sabia que ela iria provocar a reação da plateia. [..] Segundo Paulinho Machado de Carvalho, outro boi de piranha foi Erasmo Carlos, convidado a participar do festival de 1967 porque se sabia que o Tremendão seria vaiado pela linha dura da MPB - mesmo com o artista se apresentando com um tema quase folclórico, a sua composição Capoeirada. [...] Ronnie Von, boi de piranha escalado em 1967 para defender Uma dúzia de rosas, composição de Carlos Imperial. Aliás, nesse caso, as vaias começaram assim que foi anunciado o nome do autor da música.” p. 228/229

O livro fica um bom tempo concentrado na década de 60, especificamentre entre 1965 a 1969 com muitos “vai e vem”, alternando entre histórias de artistas e a de RC e tentando mostrar sua importância com relação ao que havia na época. Neste ponto o autor as vezes parece tirar ‘leite de pedra’ para encontrar o que falar de RC ou atribuir-lhe relevância.

Passada a era dos programas de televisão e do ie ie ie e entrando na era dos mega shows continuo não encontrando nada que possa ser absurdamente comprometedor no livro. O que vemos são apenas as manias de RC começando a surgir como o caso da estréia de seu primeiro grande show.

“O curioso é que Roberto Carlos por pouco deixava de se apresentar no Canecão naquele ano porque a direção da casa queria abrir o espetáculo em agosto e o cantor só aceitava setembro como mês de estreia. Roberto Carlos temia estrear num mês que para ele e outros supersticiosos é de mau agouro. O artista já estava decidido a procurar outro espaço no Rio quando a direção do Canecão aceitou refazer sua programação para encaixar a estreia em setembro. Foi uma sábia e oportuna decisão porque essa primeira temporada de Roberto Carlos durou três meses de absoluto sucesso.” p. 281/282

Ou mesmo sobre suas outras parcerias para compor

“Em seu trabalho com outros parceiros, Bóscoli estava acostumado a usar qualquer palavra, qualquer cor de caneta e rabiscar livremente frases ou setas para cima ou para baixo no papel. Nada disto foi possível com Roberto Carlos. "Não se risca nada. Tem que guardar tudo", dizia o cantor quando Bôscoli ameaçava rabiscar algum trecho da letra. "Foi o maior drama. Roberto também ficava puto quando eu usava determinadas palavras. Como não podia isso, não podia aquilo, eu fui ficando totalmente inibido e o resultado final acabou sendo muito ruim.” p. 279

O livro sempre se atém aos fatos ligados a música. Está longe de fofocas. Se o autor fala de uma ex mulher de RC é para falar de como ela influenciou em sua carreira ou o significado de suas composições. Apesar de ter curiosidades de bastidores, gravações e de quem esteve ao lado de RC o livro não é do tipo fofoca, não procura espizinhar intrigas ou difamar RC.

imagem de Roberto Carlos
Segundo o livro, desde que o sucesso chegou Roberto Carlos tem o controle de tudo o que acontece ao seu redor

RC é retratado no geral como uma pessoa de coração e muito fiel aos amigos e a quem o ajudou em suas conquistas na carreira. Um exemplo é o baterista Dedé, que foi mantido no grupo apesar da insistência de várias pessoas em retirá-lo por questões técnicas na qualidade dos shows. RC sempre resistiu em dispensá-lo, pois Dedé foi o companheiro de RC desde os tempos em que cantava em circo, nos tempos de ‘vacas magras’.

Não só o amor “carnal” foi tema de RC, alguns episódios de sua vida, como a morte de sua musa Maria Rita, a doença de seu filho, as separações, sua mãe, pai e até tias foram temas de suas músicas.

A máquina de fazer dinheiro e sucesso

RC, após a explosão nos anos 60, especialmente após seu programa na TV Record e o lançamento de “E que tudo mais vá para o inferno” (a letra desta música foi curiosamente composta em uma noite fria nos bastidores de um show em Osasco, São Paulo) transformou-se em uma máquina de fazer dinheiro e sucesso, não só para ele, mas também para todos que ele “abençoava”.

Ter uma música gravada em um de seus discos era sinônimo de ascensão e sucesso rápidos. Geralmente os direitos ganhos pela venda de seus discos era o suficiente para comprar apartamentos, carros e etc., algo que um trabalhador comum talvez nunca conseguisse mesmo durante uma vida toda de dura labuta.

Namorar ou ser clicado ao lado do “Rei” também costumava bombar carreiras. Um caso recente foi da cantora Paula Fernandes que participou de um especial da TV Globo ao lado de Roberto Carlos, o que fez sua carreira explodir.

Segundo o livro ter uma música selecionada para um álbum de RC era como ganhar um festival de música, onde o único juiz era Roberto Carlos. Os autores faziam de tudo para entregar-lhe fitas com músicas e muitos acabaram virando compositores profissionais dedicados a RC,pois sabiam do que ele gostava e, assim, formatavam as canções para encaixar em seu gosto.

“O maior sonho de Renato Barros era comprar uma casa para seu pai, que sempre lutou com muita dificuldade, ganhava pouco como escrivão de polícia e não conseguia ter um imóvel próprio. "Então, eu pensei: "preciso botar uma música num disco de Roberto Carlos", e fiz 'Você não serve pra mim' com esse objetivo", diz Renato. [...] " Depois de ouvir Você não serve pra mim, Roberto Carlos não teve dúvida: queria gravar a canção. Mas Renato Barros fez jogo duro. "Não posso lhe dar, Roberto. Essa música vai ser gravada no nosso próximo disco", blefou, procurando valorizar ainda mais sua composição. E a tática deu certo porque, depois que saiu do estúdio, Roberto Carlos foi pedir para Evandro Ribeiro falar com Renato Barros. "Renato, você vai ganhar muito mais dinheiro se deixar essa música com Roberto", disse-lhe Evandro, como se o guitarrista já não soubesse muito bem disso. "Tudo bem, seu Evandro, já que o senhor insiste, eu deixo minha música para ele." Embora Roberto Carlos já estivesse com o repertório de seu novo álbum fechado, tratou de incluir a composição de Renato Barros, com receio de a banda dele gravar antes. Em novembro, Renato Barros recebeu o adiantamento pelos direitos de 'Você não serve pra mim' e saiu à procura de uma casa para seu pai.” p. 418 / 419

“... Mas, para os que conseguiam era o céu. O compositor Ivor Lancelloti, por exemplo, autor de ‘Abandono’, afirma que comprou seu primeiro apartamento depois que essa música foi gravada por Roberto Carlos. "Foi a única vez que ganhei dinheiro com música. Tenho duzentas músicas gravadas, mas o que ganhei com Abandono cobre todas as duzentas e ainda sobra dinheiro." p. 417

Por estas e outras o poder de RC e sua influência parecem infinitas.

É interessante notar como um homem pode ter tanta influência sobre a cultura e os gostos de um país. Em uma época que que a Internet era apenas uma experiência em universidades americanas, o domínio da cultura, por algumas gravadoras e artistas, era como uma espécie de ditadura da cultura.

Lendo o livro não me espanta o medo que certas pessoas tem da informação e o motivo dos processos endereçados a todos que ameacem seu império. A perda do poder pode ser muito terrível e amedrontador para os que o detém. Deixar de ganhar os milhões de antes e fazer com que as pessoas procurem e descubram o que realmente gostam, criando uma verdadeira cultura, e não o que toca 100 vezes na rádio ou aos domingos na TV, tudo banhado a muito jabá, é um passo gigantesco para as pessoas e para a sociedade e uma perda gigantesca para os “Reis” do passado.

O livro é interessantíssimo não exatamente com relação a RC, mas sim a tudo que envolve os bastidores do mundo da música.

As manias, doença e religiosidade

Manias são comuns a todos nós e como não poderia deixar de ser Roberto Carlos não escapou. A diferença é que para as pessoas comuns manias podem ser apenas manias ou no máximo loucuras, mas para pessoas com dinheiro ou influência as manias ganham outro nome: excentricidade. Quando se tem condições de sustentar as manias elas podem realmente tornar-se megalomaníacas.

“Nas crenças de Roberto Carlos não está apenas o catolicismo. Ao longo da vida ele foi colecionando uma série de manias e superstições. Por exemplo, não pronuncia palavras como azar e desgraçado, nem canta palavras negativas como maldade e mentira. Nunca passa debaixo de escada. Sempre sai dos locais pela mesma porta pela qual entrou. Jamais volta a fita do gravador. Nunca rabisca uma seta de cabeça para baixo. Gosta de números pares e não assina contratos ou documentos importantes na Lua minguante. Também não começa nenhuma temporada ou gravação de disco no mês de agosto. E sempre deixa para as almas o último pedaço de qualquer coisa que estiver comendo. Além disso, não gosta das cores marrom e roxo. "Costumo dizer que eu penso em azul", afirma Roberto Carlos, enfatizando a sua cor preferida. Mas não é um azul qualquer. Para ser mais específico, o azul da sua preferência tem aquela tonalidade do jeans. Ao contrário de outro notório supersticioso, o treinador Zagalo, Roberto Carlos não gosta do número 13, embora tenha o que faria a alegria de Zagalo: seu nome artístico. Roberto Carlos, tem exatamente 13 letras. Mas esse número é sempre que possível evitado pelo artista. Ele não marca nada de muito importante no dia 13, não se senta em poltrona 13 de avião, não anda de carro que tenha esse número na placa e não gosta de ficar rodeado por 13 pessoas. Roberto Carlos gosta é do número 5 e todos os discos dele têm final 5 na numeração.” p. 525

E o autor do livro é enfático ao afirmar:

“As manias e superstições de Roberto Carlos foram sendo agravadas e alimentadas a partir do momento em que ele se tornou um artista de grande sucesso. Ou seja, somente quando teve cacife para bancá-las…” p. 526

No caso de RC as manias evoluíram para o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Segundo o autor a doença de RC pode ser originária de uma mistura da influência religiosa que Roberto Carlos herdou de sua mãe junto com os problemas pessoais que enfrentou. Segundo o autor, enquanto RC estava em sua fase pré-sucesso não se incomodada, por exemplo, em usar roupas marrom, mas depois que tornou-se “Rei” certas coisas não podiam mais ser toleradas.

Talvez a parte mais emocionante para os fãs seja a última, em que o autor descreve a doença e morte de Maria Rita, última esposa de Roberto Carlos. Tomada por um câncer raro no útero, que posteriormente espalhou-se pelo corpo até seu falecimento, Maria Rita foi a musa e o martírio de RC por meses. Toda sua fé, exposta ao público por meio de seus discos a partir de 1978, foi colocada a prova neste período em que sempre circulava com padres, fazia preces e tentava de todas as formas salvar a vida de sua esposa, fosse pela fé, fosse pela medicina tradicional.

O desfecho final da história, segundo o autor, fez RC rever seus dogmas e sua fé. Fato é que após seu álbum de 2000, que dedicou a memória da esposa falecida, RC nunca mais compôs ou fez menções religiosas em seus álbuns seguintes.

Paulo César Araújo, a meu ver, fez uma síntese muito concisa e interessante deste período atribulado da vida de RC. Como são memórias muito pesadas isto pode ter, de alguma forma, mexido com o cantor. Vale ressaltar que em nenhum momento o autor foi ofensivo, sarcástico ou mesmo polêmico, retratando o período, a meu ver, com respeito.

CONCLUSÃO

As lições que podemos tirar da vida e do trabalho de Roberto Carlos são clichês que sempre valem a pena revisitarmos, pois mesmo sendo clichês muitas vezes continuamos não os vendo em nossas próprias vidas.

Acredito que podemos tirar três lições do livro de Paulo Cesar de Araújo. A primeira, e mais clichê eu diria, é que nunca devemos desistir de um sonho, por mais difícil que possa parecer ou mesmo que o seja.

A segunda, outro clichê, é nunca cuspir no prato em que se comeu, ou melhor, nunca desprezar as pessoas, pois dependemos mais delas do que pode parecer.

As lições vem do fato de que, segundo minha análise geral do livro, Roberto Carlo não se tornou este sucesso ou mesmo ganhou o apelido de “Rei”, dado por algum marqueteiro, por seus fantásticos dotes musicais. Roberto Carlos não era um cara como chamam “fora da curva” ou um cantor fenomenal. Ele era um cantor como tantos outros vários de sua época, afinado e concentrado. Hoje em dia isto poderia sim ser considerado um dote (se compararmos com o que nos obrigam a ouvir por ai), mas na época de seu início de carreira não.

Seu sucesso, segundo minha análise do livro, deve-se, sem dúvida, a uma força de vontade e empenho enormes em investir em sua campanha, em correr atrás do que se acredita, mas não só isso. Ele deve muito à sorte e também a muitas pessoas que o ajudaram. Sem estas pessoas ele não seria o que é hoje.

Segundo o livro Roberto Carlos nunca foi uma pessoa desagradável, geniosa ou algo do tipo. Pelo contrário, sempre foi comunicativo, confiante e respeitoso. Isto pelo menos em início de carreira.

Neste sentido a proibição do livro me é estranha. Por um lado, o autor nunca foi desrespeitoso com o cantor. Uma biografia muito bem escrita e pautada que em minha visão não tem nada de difamador ou que pudesse trazer o ódio dos fãs.

O livro, em si, foi interessante para mim pois é bem escrito, tão bem que consegui lê-lo até o fim mesmo o assunto sendo completamente desinteressante para mim. Talvez o que mais vale é conhecer o ambiente musical do final dos anos 50 e os anos 60 e 70, época do início da indústria fonográfica como a conhecemos hoje e curiosidades gerais sobre outros artistas.

Em outro sentido o livro pode desmistificar o ídolo, mostrando que ele, na verdade, é um cara como qualquer outro, que correu atrás do que acreditava e conseguiu, mas sem as qualidade de um Super Hiper Pop Star nascido com um dom superior a todos os mortais.

Aqui podemos, talvez, possa tirar a terceira lição, que citei acima. Pode ser que tenha sido isso que fez RC proibir a biografia, tirando-o do pedestal de entidade mítica para a de uma pessoa comum. Talvez aquela humildade inicial que tanto o ajudou a galgar o sucesso tenha se dissolvido em meio aos gritos dos fãs.

No entanto, segundo a visão do autor, Paulo Cesar de Araújo, em entrevista ao Roda Viva (28/10/2013) Roberto Carlos, por sofrer de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) viu na publicação do livro “Roberto Carlos em Detalhes” por um autor na época provavelmente desconhecido para ele, uma fuga de seu controle. Isto porque, segundo Paulo César de Araújo, Roberto Carlos controla cada detalhe do que acontece ao seu redor há mais de 40 anos.

Seja qual for o motivo da proibição do livro, este pode ser, sim, uma ótima referência para quem quer entender a música popular brasileira a partir dos anos 60 e para quem é curioso sobre as personalidades que formaram, de certa forma, o Brasil que conhecemos hoje, isto se você conseguir uma cópia!



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