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Pesquisa indica que a ascensão do conservadorismo pode estar ligado a diminuição das desigualdades

Pesquisa da USP que utiliza dados do período democrático de 1984 até 2015 indica que a diminuição das desigualdades e o aumento real do salário mínimo podem ter influenciado na reação de uma ala conservadora da sociedade brasileira

A desigualdade no Brasil pode ser contada de duas formas: a primeira diz que ela permaneceu constante, com os mais ricos se apropriando de um quarto da riqueza nacional e a segunda que durante o período democrático (de 1984 até 2015) a desigualdade caiu muito e, além disso, caiu mais rápido do que em outros países considerados progressistas.

Estas duas versões, aparentemente contraditórias, na verdade não o são segundo a professora Marta Arretche do Departamento de Ciência Política da USP. Ambas refletem uma situação verdadeira do país porém pegam duas porções diferentes do extrato social brasileiro. O primeiro, que afirma que a desigualdade permaneceu constante, se refere ao 1% mais rico em relação a apropriação da riqueza total do país. O segundo, que diz que a desigualdade caiu, se refere apenas aos 99% restantes, ou seja, entre os mais pobres a renda foi redistribuída dos que tinham mais para os que tinham menos. Além disso no período houve inclusão no acesso aos sistemas públicos de saúde e educação e o salário mínimo real aumentou consideravelmente.

Esta conclusão vem de um estudo feito por 23 pesquisadores de diversas áreas das ciências sociais e que resultou no livro Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos.

Mas como podemos associar os dados acima com a questão da ascensão do conservadorismo no Brasil?

Segundo a professora Marta Arretche a diminuição da desigualdade exerceu uma pressão sobre a classe média que utiliza muito dos serviços dos mais pobres que ela. Isso fez com que uma insatisfação crescente surgisse em parte da sociedade. Um dos marcos deste descontentamento, segundo a professora, é a aprovação, em 2013, da Proposta de Emenda à Constituição 478, que estendeu aos empregados domésticos os direitos trabalhistas usufruídos pelos demais trabalhadores urbanos e rurais.

A sociedade brasileira está muito dividida com relação à inclusão. Para além dos conflitos entre pobres e ricos, há também um conflito entre os muitos pobres e os menos pobres. Porque os ganhos dos primeiros podem representar custos para os segundos
Marta Arretche

De fato o estabelecimento dos direitos à classe dos empregados domésticos causou um enorme rebuliço nas classes médias na época. Tal impacto pode ser observado inclusive nas revistas semanais preferidas destes extratos como as revistas Veja e Época. Vale lembrar que foi neste mesmo ano de 2013 que tivemos as jornadas de Junho, evento que influenciou os rumos do país.

As revistas Veja e Época colocaram a questão dos empregados domésticos em suas capas e procuraram tratar o assunto como a quebra de um tabu, mas com uma semiótica em que focavam o lado dos 'patrões'.

Nas palavras da professora: "Este é, provavelmente, um conflito típico de sociedades muito desiguais que começam a mudar sociedades nas quais os cidadãos não podem contar com serviços públicos. Uma das bases da estabilidade no Brasil era o fato de os menos pobres se assegurarem um relativo bem-estar pagando salários muito baixos para os mais pobres. À medida que o salário desses trabalhadores menos qualificados começou a crescer, por força da lei, os integrantes dos estratos intermediários se sentiram prejudicados. Esta perversidade, característica de sociedades muito desiguais, é um grande desafio para a democracia"

O Brasil, mesmo depois de estabelecida a república, manteve um pé nas origens monárquicas e coloniais. Se olharmos países de primeiro mundo vamos perceber que ter à disposição os serviços de um funcionário dentro de casa para os afazeres domésticos é um luxo. No geral as classes médias dos países civilizados assumem as tarefas domésticas pois é muito caro contratar os serviços de um profissional para exercer tais tarefas. No Brasil, por outro lado, devido a grande desigualdade entre as próprias classes mais pobres, contratar os serviços domésticos sempre foi barato e fruto de inúmeras injustiças sociais.

Segundo a pesquisa da USP o aumento do salário mínimo pode ter sido o estopim para o avanço do pensamento conservador já que este impacta diretamente o custo dos serviços domésticos.

Isso tende a provocar uma grande divisão no próprio interior das famílias. Pois se, por um lado, o aumento do salário mínimo pode representar um ganho de renda para alguns membros, ele também pode representar um aumento de custos para outros. Muito provavelmente este é um dos fatores na base do que tem sido caracterizada como uma reação conservadora. Trata-se do efeito típico de uma sociedade altamente desigual que começa a se tornar menos desigual pela via da proteção dos piores situados
Marta Arretche

O estudo reflete, de certa forma, o pensamento desta parcela da sociedade que não deixa de estar ligado ao passado brasileiro e de suas origens de exploração, escravidão, violência e injustiça.



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