Jeff Gillette e a distopia do mundo mágico dos desenhos
Para aqueles que, nos anos 80 e início dos 90, assistiam aos desenhos animados da TV, a Disney provavelmente era um ícone. Já os endinheirados tinham acesso a um outro patamar, pois ir à Disneylândia com a 'Tia Augusta' era um plus no encantamento da criançada. Mesmo hoje, em que as viagens para a 'terra da magia' tornaram-se possíveis para uma maior parte da população (apesar do valor do dólar), o encantamento de adultos e crianças parece não ter mudado em nada.
Mas se pararmos para pensar bem, a TV e boa parte dos desenhos não deixam de ser máscaras de encantamento para a dura realidade que a esmagadora maioria das pessoas vive. Jeff Gillette, artista americano radicado na Califórnia, utilizou referências dos desenhos da Disney e outros para criar uma obra distópica e provocante que conversa com esta realidade. Bem vindos a Dismayland!
Além da Disney, Gillette também trabalha com outros lugares e personagens da cultura pop, sempre com o foco na 'estética' da favela, seu tema mais recorrente. Mas como Gillette chegou nesta ideia? Para isso é interessante sabermos um pouco mais sobre sua vida.
O artista anda em lugares que ninguém quer ir
Jeff Gillette cresceu perto de Detroit, Michigan. Depois de servir nas forças de paz no Nepal mudou-se para a Califórnia onde dedica-se a ensinar artes visuais há 23 anos na Foothill High School.
Atualmente trabalha com uma grande variedade de mídias, incluindo fotografia, desenho, pintura, colagem, escultura e instalações em tamanho real de favelas, notadamente sua série de favelas de 2010. Gillette é fascinado pelos cenários de pobreza. Durante anos ele tem trabalhado com a temática das favelas do terceiro mundo, seja uma pós-apocalíptica Disneylândia favelizada, uma Las Vegas destruída ou cidades devastadas por terremotos.
Em suas várias viagens ele prioriza lugares fora do circuito turístico, procurando as piores partes das cidades, seja na África, Ásia, Américas ou em Costa Mesa onde mora e trabalha. Seus trabalhos geralmente são feitos em séries inspiradas em uma temática específica com influências das artes contemporânea e conceitual.
Não é uma crítica, é apenas estética
Ao ver uma obra de Gillette é quase impossível não pensar em crítica social, já que o contraste entre mundo mágico e pobreza são elementos mais que suficientes para os críticos do mundo moderno capitalista tecerem comentários ácidos. Mesmo para um observador menos crítico a solidão, a desesperança e a infinitude decadente presente em sua obra são pungentes. Porém, segundo Gillette, seu trabalho não é um ataque à Disney ou ao modo americano de vida ou mesmo ao capitalismo, mas sim uma visão de um outro ponto de vista. Para ele o que o atraiu foram as possibilidades plásticas e estéticas, mais do que a crítica. Estas possibilidades acabam por lançar o observador para um futuro pós apocalíptico, distópico.
O trabalho de Gillette pode incomodar aqueles descritos no início deste texto, os fãs dos parques temáticos ou os amantes dos contos de fadas - o que provavelmente é a reação que o próprio artista esperava obter - porém não podemos deixar de pensar no contraste entre o mundo mágico e o mundo real. Para alguns talvez seja motivo de incômodo, para outros indiferença. A distopia vira utopia na Disney e a favela é só a vida real.
Trabalho junto com Banksy
Certo dia um convite chega através do Facebook. É uma mensagem de Holly Cushing, agente do misterioso e recluso artista inglês Banksy. O convite era direcionado a Gillette e outros artistas para trabalharem em um projeto na Inglaterra, hoje conhecido como Dismaland, uma paródia da Disneyland e de outros parques temáticos.
O tema não poderia ser mais adequado à obra de Gillette que aderiu totalmente ao projeto. Além de trabalhar na confecção de adereços para os guias da exposição, Gillette contribuiu com seis de suas telas. Foram vendidas, para o seu espanto, 10 minutos após a abertura da exposição. Segundo ele, que luta pelo reconhecimento de seu trabalho há mais de 20 anos, ele espera que a exposição na Inglaterra organizada por Banksy promova um salto em sua carreira. Ainda, segundo ele, várias galerias passaram a entrar em contato após sua participação no projeto.
Seleção
Mas para ter uma noção do que é o trabalho de Gillette só mesmo conhecendo sua obra. Selecionamos alguns de seus trabalhos da série de pinturas sobre favelas para que os leitores possam tirar suas próprias conclusões.